Juízes que hoje protestam o fazem com tristeza
Está sendo realizada, no âmbito do Poder Judiciário, a Semana Nacional da Conciliação, um projeto que realça a preocupação com os jurisdicionados e, em especial, com os mais carentes, que sofrem mais diretamente as consequências da demora dos processos judiciais.
A Semana da Conciliação, por sua expressão de cidadania, foi abraçada pela magistratura, que nesses dias se envolve na coletividade e se une no atendimento ao cidadão, presta informações jurídicas, realiza palestras, organiza eventos públicos, coordena ações cívicas, emite documentos e certidões, realiza milhares de audiências de conciliação, soluciona conflitos, tranquiliza vidas, traz paz, enaltece a Justiça.
Tenta-se, enfim, mudar a cultura da litigiosidade e instalar uma visão da necessária resolução amigável dos conflitos, até porque, nas atuais condições e em razão da carência estrutural e material do Poder Judiciário, será impossível atender com eficiência e celeridade o absurdo volume que explode sob as costas dos juízes brasileiros: 26 milhões de novas ações judiciais a cada ano.
No entanto, excepcionalmente neste ano, a semana cidadã perde muito de seu brilho e dinamismo, em razão da não participação da magistratura federal e trabalhista, que optou por dela não participar como protesto ao tratamento institucional que vêm recebendo nos últimos anos.
Em que pese pessoalmente discordar dessa decisão coletiva e legitimamente adotada pelas entidades representativas da magistratura, é fato que devemos tentar entender as circunstancias que ocasionaram essa medida e buscar solucionar o problema, que prejudica diretamente o cidadão.
A Constituição Federal determina que o valor dos subsídios dos magistrados, como dos demais servidores públicos e dos trabalhadores em geral, deve ser anualmente reajustado, obviamente com o objetivo de minimizar os devastadores efeitos da inflação e a corrosão do poder de compra dos salários, até mesmo em razão de sua natureza alimentar.
Essa ordem constitucional, verdadeiro mandamento legal ao administrador público, vêm sendo continuamente descumprida em face dos juízes brasileiros, que nos últimos seis anos perdeu quase 30% do poder real de compra dos seus "salários".
Os projetos de lei que tratam da revisão anual dos subsídios da magistratura (e não estamos falando de aumento!) se encontram parados no Congresso Nacional, em especial pela postura do governo federal, que insiste no descumprimento da Constituição.
Aquele que tem a responsabilidade de garantir ao cidadão o cumprimento das leis, está sendo vítima do desrespeito expresso da Constituição e naquilo que lhe afeta mais diretamente em sua vida pessoa e de sua família: seus subsídios.
Os juízes que hoje protestam certamente o fazem com tristeza, por se verem empurrados a assim agirem em razão da violência institucional grave aos seus direitos mais básicos. Tristes, também, por não participarem dessa festa da cidadania, por eles próprios construída e tão reverenciada.
Em que pese o menor brilho da presente edição da Semana Nacional da Conciliação, sua importância é, ao contrário, realçada justamente em razão do protesto que hoje observamos.
Que isso nos sirva de exemplo para reforçar os esforços em busca de uma solução para o grave problema que afeta a magistratura brasileira, de modo que serviços tão essenciais ao cidadão não sejam prejudicados.
Que possam o governo federal, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, estimulados talvez pela própria virtude do instituto da conciliação, buscar um diálogo que vise erradicar uma injustiça e permitir aos juízes o básico: o cumprimento da Constituição Federal.
José Lucio Munhoz é conselheiro do CNJ, juiz do Trabalho, mestre em Direito e ex-presidente da Amatra-SP (Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho).
Fonte: http://jlmunhoz.blogspot.com.br/