POR FREDERICO VASCONCELOS
Sob o título “O desmonte da magistratura brasileira”, o artigo a seguir é de autoria de Francisco Glauber Pessoa Alves, Juiz Federal da Seção Judiciária de Pernambuco (*).
O sonho de muitos estudantes de direito e concurseiros é ingressar na magistratura. A pretensa ideia de uma remuneração inicial muito atraente associada ao exercício de uma profissão socialmente reconhecida e relevante de longa data encantam e seduzem. A Constituição Federal de 1988, a principiologia do acesso à justiça (art. 5º, LV) e as notícias desencontradas (que misturam magistraturas diversas) dando contra de se tratarem de uma casta de “marajás” incutem a impressão de uma carreira formada por profissionais satisfeitos.
Infelizmente, a realidade discrepa disso.
Os sinais, perceptíveis intuitivamente pelos integrantes da carreira (seus familiares e demais pessoas queridas, que vivenciam mais de perto o cotidiano dos juízes), já não são escondíveis do público em geral. Em 2009, a Associação dos Magistrados Brasileiros levou a efeito uma pesquisa denominada Condições de Trabalho («http://www.amb.com.br/?secao=pesquisas», acesso em 02.05.2013) onde os magistrados pesquisados mostraram elevada insatisfação com o baixo grau de policiamento (85%) e de equipamentos de segurança (detectores de metais e câmeras de monitoramente, respectivamente com 84% e 85%), dentre outras queixas.
Esse quadro não diminuiu com o tempo.
Segundo o CNJ, 150 juízes no Brasil vivem sob ameaça de morte («http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/21506-juizes-discutem-motivos-das-ameacas-e-do-desinteresse-pela-carreira», acesso em 02.05.2013).
O Questionário Pesquisa de Satisfação de Magistrados, também levado a efeito pelo CNJ, apontou que a soma de juízes que consideram as condições de segurança ruins e péssimas é de impressionantes 77,5% («http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/gestao-e-planejamento-do-judiciario/pesquisa-de-satisfacao-e-clima-organizacional», acesso em 02.05.2013).
A situação tornou-se tão séria que, conforme a AMB, 538 juízes abandonaram a carreira em 2012 («http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2013-03-31/a-cada-tres-dias-um-juiz-sofre-ameacas-no-brasil.html», acesso em 02.05.2013). Às aposentadorias precoces, destaca-se a circunstância de que vários magistrados têm largado a profissão para ingressar em outras, mais atrativas economicamente e sem tanta cobrança.
O número é expressivo, mentalizando-se que o total de magistrados atual na justiça brasileira gravita na ordem acima dos 15.000 (variando para mais ou para menos). E tal número já é insuficiente à prestação de um bom serviço jurisdicional, como várias análises já apontaram, vetorizadas pela elevação da litigiosidade brasileira, pela insuficiente proporção de juízes por habitantes e pela falta de estrutura do judiciário. Para um amplo diagnóstico, ver o Justiça em Números («http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficiencia-modernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros», acesso em 02.05.2013).
Não se poderia passar ao largo da questão remuneratória.
Em cinco anos, os Juízes, remunerados exclusivamente por subsídios, perderam mais de 35% do poder aquisitivo, sem qualquer contrapartida, seja remuneratória (pelo menos os Juízes Federais e Trabalhistas), seja de trabalho (que só aumenta). Os servidores lato sensu (dos quais não se dissociam, no particular, os agentes políticos que são os magistrados), é da Constituição, têm direito à revisão geral anual da remuneração (art. 37, X) assim como os magistrados têm como prerrogativa a irredutibilidade da remuneração (art. 93, III). São dois princípios constitucionais que vêm sendo solenemente ignorados.
Outros problemas incluem-se aí.
A pouca valorização dos juízes de primeiro grau pelos tribunais, principalmente superiores, tendo virado moda alguns ministros, no afã midiático, desancarem juízes de forma genérica – como se sabe, generalismo traz um argumento suicida, porque inclui por vezes o autor da argumentação. A negativa de direitos pelas altas instâncias judiciárias, seja no âmbito administrativo, seja mesmo no judicial – inclusive pela ausência de julgamento ou concentração de causas de interesse da magistratura junto ao STF, retirando do magistrado o direito à tutela jurisdicional efetiva – negativa incondizente com a autoconcessão de direitos pelas mesmas altas instâncias (passagens, diárias, auxílios-moradias, cotas telefônicas etc).
A elevada cobrança social e profissional (corregedorias diversas e CNJ) também gera níveis de stress altíssimos. Agrava notadamente isso o sistema de promoção por merecimento que, em mais vezes do que seria aceitável, dá-se em detrimento da meritocracia, beneficiando a pessoalidade, o servilismo, o carreirismo, os contatos políticos e a quebra de algo sagrado não só para os juízes, mas para a sociedade, que é a independência judicial.
Daí o cada vez mais elevado índice de abstenção nos concursos públicos de ingresso à magistratura, como os 16% no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul («http://wwwh.cnj.jus.br/portal/agencia-eventos-cnj/96-noticias/6447-divulgado-resultado-de-prova-do-concurso-para-juiz-substituto-do-rs», acesso em 02.05.2013) ou os 32% do TRT de Goiás («http://www.trt18.jus.br/portal/noticias/indice-de-abstencao-na-primeira-etapa-do-concurso-para-juiz-do-trt-18-ultrapassou-32/», acesso em 02.05.2013).
Porém, nenhum caso foi mais sintomático do que o do TRF da 5ª Região (AL, CE, PB, PE, RN e SE), onde 41,9% dos candidatos não foram à primeira prova no atual certame em andamento («http://trf-05.jusbrasil.com.br/noticias/100376456/primeira-etapa-do-concurso-para-juizes-teve-uma-abstencao-de-41-9», acesso em 02.05.2013). Tais percentuais referem-se apenas à primeira prova e se renovam nas etapas seguintes, ainda que em menor proporção – o que de toda forma influem diretamente no número absoluto de candidatos que efetivamente se sujeitam às cinco etapas de um concurso para o cargo de juiz. E provavelmente sofrem variáveis no tempo e no espaço.
Concorde-se ou não com tudo antes disso, dois questionamentos são incontestes: se a sociedade vê os juízes como bem remunerados, por que os candidatos estão optando por outras carreiras ou, no mínimo, por não serem juízes?! E por que os juízes estão deixando de ser juízes?!
Ao escasseamento dos candidatos à magistratura e ao abandono da carreira por juízes em plena intelectualidade somam-se os elevados níveis de reprovação dos concursos (da ordem de 97%), de onde chegamos a um epílogo inevitável e óbvio: menos – cada vez menos – juízes ingressarão na carreira como primeira opção. E, dentre estes, bem menos juízes vocacionados.
O número de cargos de juízes vagos é impressionante em todos os ramos do judiciário (novamente, remetemos ao Justiça em Números, «http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficiencia-modernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros», acesso em 02.05.2013).
Talvez seja essa a opção da sociedade brasileira atual: um país sem judiciário eficiente ou com um judiciário capenga. Afinal, há quem ganhe com tal quadro sociopolítico: grandes grupos dirigentes, grandes corporações econômicas etc. Se for isso mesmo o que se quer, tudo bem.
Só precisamos todos arcar com as consequências sociais, políticas e jurídicas, para não reclamarmos, depois, pelo desmonte institucional que está sendo feito agora. Poderá não haver mais algum bom juiz em Berlim quando precisarem de um.
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(*) O autor é ex-Presidente da Associação dos Juízes Federais da 5ª. Região (REJUFE) e Doutor em Direito pela PUC/SP.
Por que juízes abandonam a carreira?
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