De onde vem essa vergonha de ser mineiro, essa vontade de ser paulista ou carioca
Por Lincoln Pinheiro CostaPor que alguns mineiros, especialmente oriundos das regiões periféricas do Estado, não torcem pelos times mineiros, preferindo torcer pelos times paulistas e cariocas? De onde vem essa vergonha de ser mineiro, essa vontade de ser paulista ou carioca, mesmo sofrendo discriminação e sendo motivo de chacota em São Paulo e no Rio de Janeiro? A resposta mais óbvia e mais fácil é a influência da mídia paulista e carioca sobre Minas Gerais.
Deveras, passados mais de vinte e três anos da promulgação da Constituição, o capítulo da comunicação social da Carta Magna permanece sem regulamentação, de modo que o preceito constitucional que manda regionalizar a programação continua descumprido e os mineiros, assim como todo o resto do Brasil, são obrigados a assistir as partidas de futebol de times paulistas e cariocas.
E não será fácil pôr fim ao oligopólio das comunicações e acabar com a propriedade cruzada no setor, haja vista a quantidade de parlamentares que detém a concessão de canais de rádio e TV ou que são financiados, direta ou indiretamente, por tais concessionários. Mas vou buscar mais longe a explicação para tal subserviência. Quando as primeiras riquezas minerais foram descobertas aqui, o território mineiro recebeu as expedições das Entradas e Bandeiras, compostas por jagunços que invadiram Minas Gerais para espoliar as riquezas naturais, capturar índios e escravos fugitivos.
Em 1986, o meu professor de Teoria Geral do Estado nas Arcadas, então mais jovem do que sou hoje, recomendou a leitura do livro “Discurso da Servidão Voluntária”, de Étienne de La Boétie. Confesso que na época não gostei – talvez melhor seria dizer que não entendi o livro – mas o tempo passa, a experiência
chega e a interpretação do texto fica facilitada. Aquele professor, Ricardo Lewandowski, se tornou Ministro do Supremo Tribunal Federal e resolvi reler o livro.
La Boétieafirma que a opressão se mantém principalmente com a obediência consentida dos oprimidos. A servidão voluntária, no nosso caso, consiste em se adotar os valores e ideais dos invasores, assimilar a cultura veiculada na mídia paulista e carioca e torcer pelos times de São Paulo e do Rio de Janeiro, rejeitando a mineiridade. O autor do “Discurso da Servidão Voluntária” advogava que a resistência não violenta e a desobediência civil são as melhores estratégias para se opor à opressão. Teria ele razão?
Na Guerra dos Emboabas os mineiros expulsaram os bandeirantes, mas a ideologia paulista continua sendo professada por parte de quem tem vergonha de ser mineiro.