Política externa independente

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Santiago Dantas sistematizou a Política Externa Independente

(Por Lincoln Pinheiro Costa)
 
Terminei a leitura do livro “Política Externa Independente”, editado pela Fundação Alexandre de Gusmão em homenagem a Santiago Dantas, chanceler entre 08 de setembro de 1961 e 12 de julho de 1962 durante a experiência parlamentarista brasileira chefiada por Tancredo Neves.

Santiago Dantas sistematizou a Política Externa Independente, recebida do governo anterior de Jânio Quadros.

Foi um momento histórico conturbado, que antecedeu o golpe de Estado de 1964, e a política implementada por Santiago Dantas sofreu virulenta oposição dos setores mais retrógrados da sociedade e seus representantes no Congresso Nacional.

Assim se manifestou Santiago Dantas, com uma ponta de ironia, aos opositores da Política Externa Independente:

“Era natural que se levantassem contra essa posição política a incompreensão de alguns, os interesses contrariados de muitos e o zelo exagerado daqueles que temem, nessas circunstâncias, desgostar amigos poderosos, em geral mais compreensivos do que eles diante das posições brasileiras.”
Naquele tempo o mundo estava dividido em dois blocos militares: o ocidental, liderado pelos Estados Unidos e o Oriental, liderado pela União Soviética.

O Brasil não mantinha relações diplomáticas com a União Soviética e tais relações foram reatadas por iniciativa do nosso chanceler.

Argumentava Santiago Dantas que o relacionamento com todos os países, independentemente do regime político adotado por estes, favoreceria a manutenção da paz, bem como abriria novos mercados para os produtos brasileiros.

Isto, que hoje é óbvio, naquele tempo recebia furiosos ataques por aqueles que dois anos após promoveriam o golpe de Estado e afundariam o país em uma ditadura por vinte e um anos.

Deveras, o Brasil era um país agrário e católico, sem sociedade civil organizada e com economia pouco relevante no cenário internacional (Em 1962 a economia brasileira, somada à Argentina, equivalia à economia italiana. Atualmente, a economia brasileira é a sexta maior do mundo).

De modo que o discurso de pânico contra a ameaça comunista e em defesa da propriedade e da religião se insurgia contra o reatamento de relações diplomáticas com a União Soviética.

Também a questão de Cuba suscitou muitos debates, sendo que os mesmos setores oposicionistas queriam que o Brasil adotasse medida de força contra a ilha caribenha, após a sua revolução e adoção do modelo socialista.

A Política Externa Independente foi encerrada com o golpe de Estado de 64.
Durante a ditadura a política externa brasileira foi conduzida sob o lema “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, expressão cunhada por Juracy Magalhães, Ministro das Relações Exteriores na ditadura de Castelo Branco.

Essa política subserviente teve seu ápice na chamada “diplomacia dos pés descalços”, episódio pitoresco em que o Ministro das Relações Exteriores do governo Fernando Henrique Cardoso teve que tirar os sapatos e ser revistado em aeroporto estadunidense. 

O Brasil voltou a ter uma política externa independente no governo do presidente Lula, quando ampliou sua presença na Ásia, na África e na América Latina, garantindo a diversidade de mercados para nossos produtos, o que foi de extrema importância para atravessar a crise financeira de 2008, quando as economias mais afetadas foram as dos países europeus e a dos Estados Unidos.

Também deve se assinalar a posição assertiva do Brasil, mediando conflitos em outros países, tais como a Venezuela e o Irã.

Outra manifestação de independência se deu recentemente em relação à Espanha.

Há muito os brasileiros vinham sofrendo humilhação em aeroportos espanhóis, encontrando dificuldades para entrar naquele reino e muitas vezes sendo deportados.

O Brasil, invocando o princípio da reciprocidade previsto no direito internacional público, passou a exigir dos espanhóis que entram no Brasil as mesmas exigências feitas pela monarquia espanhola aos brasileiros que viajam para aquele reino.

Pode-se afirmar, portanto, que as sementes plantadas por Santiago Dantas ficaram longos anos soterradas pelo entulho autoritário, mas germinaram após o Brasil restabelecer a democracia e seguir sua vocação de progresso e desenvolvimento.