Futebol é só Rio e São Paulo?
(Por Lincoln Pinheiro Costa)Em 2011 completamos 40 anos de disputa do campeonato brasileiro de futebol, incluindo a Copa João Havelange em 2000.
Convido o leitor para uma reflexão histórica, a fim de entendermos o presente.
Durante a ditadura havia forte intervenção dos militares no futebol; presidentes autoritários influenciavam nas convocações da Seleção Brasileira e havia até um bordão: “onde a Arena vai mal, um time no Nacional”.
Naquele tempo não havia patrocínios nas camisas dos times, a receita pelas transmissões televisas era inexpressiva e embora os clubes fossem mais pobres (não confundir pobreza com endividamento), eram mais igualitários.
Os times grandes viviam basicamente da renda da bilheteria – quase não ocorria transação internacional de jogadores – e os pequenos tinham uma importante fonte de receita na venda de passes de suas revelações para os grandes.
Aliás, ao contrário do que acontece hoje, os times do interior tinham torcida e quando os grandes iam jogar lá a maioria do estádio era composta por torcedores do time local.
Com o fim do regime militar, tivemos um dos acontecimentos mais importantes da história do Brasil: a realização da Assembleia Nacional Constituinte, que nos deu uma constituição democrática, apelidada de “Constituição Cidadã” pelo seu presidente, o saudoso deputado Ulysses Guimarães.
Desgraçadamente não tivemos um evento paralelo no futebol.
A institucionalidade do futebol migrou do autoritarismo do regime militar para o neoliberalismo da Lei Pelé.
Esta lei, promulgada em 1998, refletiu a ideologia dominante nos anos 90, caracterizada pela privatização do patrimônio público, desmonte do Estado e desregulamentação da economia.
A lei do passe, comparada por alguns jornalistas à escravidão, foi substituída pelo regime atual, em que os jogadores são reféns dos empresários; os clubes, especialmente os do interior, perderam sua principal fonte de receita e estão desaparecendo.
Na transição do regime militar para o civil o futebol passou a ser financiado por patrocinadores e, principalmente, pela televisão, que adquiriu os direitos de transmitir os campeonatos; de fixar os horários dos jogos; de escolher os times que teriam as partidas transmitidas e as praças para onde elas são televisionadas.
O futebol das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste é praticamente invisível e os de Minas Gerais e Rio Grande do Sul só são vistos em parte de seus respectivos territórios. Os brasileiros dessas regiões são bombardeados semanalmente com o futebol carioca e paulista.
Este fenômeno levou a uma injusta concentração de recursos nos clubes do eixo Rio-SP, aumentando a já enorme desigualdade regional.
Essa concentração de recursos se reflete no desempenho técnico.
Vejamos os campeões das 10 primeiras edições:
1971 – Atlético
1972 – Palmeiras
1973 – Palmeiras
1974 - Vasco*
1975 – Inter
1976 – Inter
1977 – São Paulo*
1978 – Guarani
1979 – Inter
1980 – Flamengo*
Pulemos para as dez últimas edições:
2001 – Atlético – PR
2002 – Santos
2003 – Cruzeiro
2004 – Santos
2005 - Corinthians*
2006 – São Paulo
2007 – São Paulo
2008 – São Paulo
2009 – Flamengo
2010 – Fluminense
* campeonatos com a final manipulada por fatores extracampo.
Observe leitor que, enquanto nas 10 primeiras edições os times de fora do eixo Rio-SP ganharam quatro títulos – e poderiam ser sete, não fosse a interferência extracampo -, sendo que dos seis vencidos por times do eixo um foi pelo Guarani, time interiorano, nas 10 últimas edições apenas 20% das conquistas foram para times de fora do eixo (poderiam ser três conquistas, não fosse o escândalo da arbitragem no ano de 2005).
E qual a conclusão? Cariocas e paulistas são mais hábeis na prática do futebol? Certamente que não, pois suas equipes não são compostas apenas por jogadores nascidos em seus respectivos territórios.
A razão disse é o que já dissemos acima: a injusta concentração de recursos nos times do eixo Rio-SP.
Mas como sempre gosto de frisar, citando Nelson Rodrigues, “futebol não é só a bola”.
Futebol é fenômeno político, econômico e social.
Sendo atividade econômica, está sujeito aos mesmos comandos constitucionais que os demais agentes econômicos e a soberania do Estado deve ser manifestada aí também; o futebol não pode se submeter a um estado paralelo.
Ora, um dos objetivos da República é combater as desigualdades regionais.
Logo, essa concentração de recursos econômicos nos times do eixo Rio-SP precisa ser revista.
Para o bem do futebol, da economia e da cultura no Brasil.
Pense nisso!