Quando eu era calouro na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, o professor de direito civil, Youssef Cahali, dizia: “agora os senhores precisam ler os jornais com lentes jurídicas”.
Queria o velho professor dizer com isso que todos os fenômenos sociais recebem uma classificação jurídica. Com efeito, sempre estamos diante de uma relação de direito obrigacional ou de direito real; crédito ou propriedade; pública ou privada; lícita ou ilícita.
É assim que aqueles que possuem formação jurídica veem o mundo.
Mas é curioso nos depararmos com outros ângulos de visão.
Um professor de economia que tive na Fundação Getúlio Vargas dizia com todas as letras: “tudo tem dono”.
O irônico professor citava instituições públicas que “pertenciam” a seus dirigentes.
Outro exemplo dado pelo professor-economista era a rua onde há grande procura por vagas de estacionamento.
Qualquer pessoa com formação jurídica definirá a rua como bem público de uso comum do povo, pois isto é o que está escrito em todos os manuais de direito administrativo.
No ponto de vista do economista-professor, a rua, naquelas circunstâncias, pertence aos guardadores de carro.
E quem confiar na definição jurídica que ouse não pagar o valor extorquido pelos tomadores de conta...
O que diria o amigo leitor acerca dos clubes de futebol? Eles têm donos?
Um jurista, analisando o estatuto de um clube de futebol e constatando se tratar de uma associação sem fins lucrativos, responderá negativamente.
Mas, e do ponto de vista econômico? Será que um grande credor do clube na prática não é seu dono?
O direito é uma conquista civilizatória. Um Estado de Direito, com uma Constituição democrática, é regido por uma ordem jurídica em que os direitos e obrigações estão previstos em lei.
Fora da ordem jurídica impera a barbárie, a lei do mais forte.
Para que não haja uma dissociação entre o “dono de fato” e o “dono de direito” é conveniente dar contornos jurídicos às relações econômicas.
No caso dos clubes de futebol, o ideal seria transformá-los em empresas e que seus “donos de fato” se tornassem seus “donos de direito”, com toda transparência e responsabilidades exigidas pelas normas jurídicas.
Em um segundo momento poderíamos chegar à democratização da propriedade através da abertura do capital dos clubes-empresa e a negociação de suas ações na bolsa de valores.
Os torcedores interessados em adquirir ações evoluiriam de consumidores a acionistas.
Tudo Tem Dono?
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